A linha tênue entre o aconchego e o desamparo nas obras de Sakisaka Io

essa imagem e o título são quase sensacionalistas. estejam alertados.

Sakisaka Io é a voz dos adolescentes puramente esperançosos em meio às atualidades de Inio Asano.

[ATENÇÃO! Há spoilers nessa postagem. Agradecida.]
Divaguei muito sobre como deveria fazer a primeira postagem oficial nesse blog. Por um momento, achei que usar Shoujo para isso seria apelar, mas por que não? Para me distrair de pancadarias e palavras de baixo calão, normalmente acabo por ler um diferente do gênero. Atualmente, viajei pelo universo adolescente de Sakisaka Io, e é sobre essas pequenas particularidades que decidi falar, intercalando as três séries dela de maior renome.

Sakisaka Io é uma autora de mangás Shoujos conhecida pelos sucessos de Ao Haru Ride (2011) e Strobe Edge (2007), e atualmente com um mangá em publicação (Omoi, Omoware, Furi, Furare). Me acostumei a vê-la como um capitão respeitado em seu mar de romances, conduzindo uma história arriscada de clichês dramáticos e atemporais. Minha teoria pessoal é que ela costuma ouvir jazz ao escrever suas narrativas, principalmente Chet Baker (aliás, recomendo lerem esse post ouvindo essa música). Mas essa foi apenas uma pausa cômica. Há!

De Strobe Edge a OOFF, é perceptível, em primeira análise, a modificação singela de seu traço e, então, a sua familiarização com o gênero. Passando inicialmente pelas semelhanças com o de Kanae Hazuki até encontrar sua singularidade afável, caminhamos pela sua própria arte experimental. Em 10 volumes de Strobe Edge, Sakisaka abre mão de textos penosos e desgastantes, e desenvolve sua história baseada na percepção lenta dos personagens, com mudanças sutis em seus modos de agir, até encontrarem o amadurecimento ideal, dispondo de um desenho sentimental, sem muitas poluição, além de utilizar técnicas de quadrinhos como Movimento para movimento, o que é difícil ser encontrado em um Shoujo.

movimento para movimento

Vejo Strobe Edge como a obra do momento em que a mangaká estava se acostumando com sua profissão, o qual percebeu que era possível entrar no mercado concorrido de mangás japoneses utilizando o seu melhor na época. Como uma forma de conhecimento, vaguear em dramas complexos e ao mesmo tempo intercalar com o sentimento sincero de amor adolescente estava fora de questão. Dessa forma, de maneira sutil, nos apresentou o tema chave de todas as criações: o divórcio.

No encalço de seu reconhecimento, aprendendo mais sobre a industria nos anos em que foi publicado Strobe Edge, lançou sua magnum opus Ao Haru Ride. Diferente do seu filho mais velho, este já seguiu os padrões Shoujos Famosos 200% esperados, com seus 13 volumes de puro drama e voltas em ciclo, usufruindo além da conta das emoções apaixonadas de uma garota, com muitos textos penosos e desenhos que poderiam ser muito mais se Sakisaka Io quisesse. Foi uma leitura que me deixou 200% triggered. No entanto, com o carisma de sua narrativa fluida, Io mostrou com Ao Haru Ride que suas histórias, apesar de se apresentarem cansativas de início, vão te prender em pelo menos uma vez por capítulo, onde é possível ser surpreendido com cenas interessantes.

Em contra partida, recebemos OOFF como uma memória do ambiente amável que foi Strobe Edge, desvinculando-se do ponto dramático alarmante do irmão do meio e navegando pelas sutilezas delicadas, e agora exageradas, que foram deixadas pela sua obra que a colocou definitivamente no mercado. Enquanto Ao Haru Ride foi o exagero das suas criações de maior nome, Strobe Edge foi o que encaixou-se na mediania e na amabilidade, colocando OOFF, atualmente, com o que chega a escassez de todos os seus trabalhos. Até o momento, nos foi apresentado o ponto chave de todas as suas obras, situando a ocupação de cada personagem na história e o modo como eles vão se desenvolver, todavia, acaba por se criar uma dualidade quase incompatível entre o tênue e o drama, tornando uma narrativa quase neutra emocionalmente, absorvendo e exaurindo o particular para ser convertido em uma pintura abstrata modesta, com pequenas pinceladas sobre a tela, mas sem o preceito de interpretações sensacionais.

Analisando o todo, Sakisaka Io não é a autora das obras perfeitas. Suas obras fluem constantemente pela linha de extremos, não conseguindo perfeitamente manter-se em harmonia com todos os personagens ao redor da sua esfera de narração. Em conformidade, Sakisaka caracteriza de forma particular a sua marca em seus trabalhos, partindo do drama comum a um botão diferente disfarçado no meio de vários iguais em uma camisa xadrez. 

eu prometo sempre estar ao seu lado

Partindo do filho mais velho da sua santa trindade até o momento, Strobe Edge tem o feijão com a arroz das suas histórias seguintes: a comodidade e a privação; o aconchego e o desamparo. Definindo sempre essas duas dualidades como ponto chave para englobar todo o seu universo, viajamos para o mundo adolescente que Io constrói utilizando personalidades convenientes. Experimentando a forma de contar uma história, como um capitão, seleciona o seu grupo específico que tem sobre o controle e coloca silenciosamente no ambiente, apenas esperando tomar o lugar nas cenas. Em particular, é observado isso na questão do divórcio sobre os irmãos Korenaga e o amadurecimento dos personagens. Mayuka e Daiki são ligados pelo enfraquecimento dos laços amorosos dos pais, nunca obtendo uma explicação aceitável do rompimento. Dependente da idade, Mayuka cresce com o peso de se separar de entes queridos e ter de levar sua vida inesperada apenas com sua mãe, e vivendo incomodada pelo clima tenso que cerca a casa. Como ponto crucial da sua relação com outras pessoas, ela cria um vinculo com Ren sabendo seu fim; consequência essa criada pela tenra idade que tinha com o divórcio dos pais, nunca esperando um além, e simplesmente enaltecendo o presente e seu eu. No entanto, para buscar seu conforto, nada mais faz do que procurar um apoio habitual sobre Ren, superando o vinculo amistoso e elevando a um de dominante e submisso, em que seu namorado nada mais faz do que obter, do conforto que dá a ela, pequenos confortos efêmeros e inconscientes, onde o seu eu se priva para que o outro se liberte. Do outro lado da moeda observamos Daiki, que da mesma maneira que Mayuka prendeu-se a confortos e comodidades, mas como forma de romper as consequências que podia se atar, recebe a sua primeira colocação de que se ambos não se amam, não há o porquê de seguir em frente com algo sem futuro.
Observando a narrativa de Strobe Edge de outro ponto de vista, as sequelas do divórcio foram sempre tratadas como a procura de um aconchego em meio ao desamparo, tendo como base a teoria do apego, onde em um lugar que tornou-se um mar de ratoeiras era necessário a visão de uma toca para perceber que o amanhã era possível. Dessa maneira, a chegada de alguém em particular inicia o primeiro amor em suas narrações, e é onde chegamos no segundo ponto vital delas. 

Como segundo ponto de suas narrativas, nós somos incessantemente apresentados a situações com a privação dos desejos. Até que ponto é necessário enjaular nossos sentimentos para o bem do próximo ou com o medo de errar? (Orange não entra nesse debate, por favor) Passamos muitos capítulos percebendo Ren ignorando as suas mudanças particulares com temor da sua sinceridade, porque, ora, a chegada da maturidade nada mais é do que encarar as responsabilidades cruas das suas causas, o que causa justamente o impacto de Strobe Edge nos Shoujos. Ren enjaula-se com medo de não ter mais o seu orgulho de protetor costumeiro, sempre desejando o conforto em seu ser.

Em terceiro plano, penetrando silenciosamente na história, observamos a paixão de Andou evoluir constantemente sobre Kinoshita, quase deixando-se entranhar em uma limerência. Diferente da teoria do apego, Andou conforta a si mesmo servindo-se como objeto de desejo a quem ama, a procura de um prazer instantâneo para consolar-se das lamentações do passado e compensar o que não pôde fazer. Não obstante, Andou tende a passar um equivoco na sua lógica de objeto quando recordamos seu passado, mas nada mais é do que autorizar e ser autorizado. O respeito e a ignorância. 


Análogo aos acontecimentos sutis de Strobe Edge, há o estrondoso Ao Haru Ride. O divórcio nesse pode ser muito melhor aprofundado, juntamente a OOFF, uma vez que há a ideia de rompimento do amor e da vida. Kou é um personagem que demonstra muito mais do que o esperado de um simples filho do divórcio. Neste caso, crê-se na ideia de que, uma vez separados, observa-se uma associação com a morte de um dos pais, causando por vezes um sentimento de incorrespondência e não-afeição, que se dá pela ligação estreita com o pai de Kou, dificultando sua comunicação com a família e deixando-se reconhecer a sua forma própria de afeto, sendo muitas vezes incentivado por Yoshioka.

Divagando bastante do apropriado, Sakisaka abusa da privação e da paixão exacerbada em Ao Haru Ride. Enquanto a o enjaulamento dos sentimentos mantem-se tenso e não objetivando o amadurecimento, e sim o bem-estar comum, acaba por transformar o conforto egoísta e pacífico em um sentimento de auto-defesa agressivo e instável, tornando uma montanha russa enjoativa ligada ao desejo. Uma vez privando-me dos sentimentos sinceros, por que não idealizar o amor platônico em outro alguém que procura o mesmo que eu? O que era para estabelecer uma questão importante em toda a trama para que haja a possibilidade de fugir um pouco do comum, acabou por transformar uma obra de renome em um mapa astral Libriano cheio de indecisões.

OOFF segue os mesmos erros de Ao Haru Ride, invertendo-os, deixando toda a trama muito passiva e apática. De certa forma, a temática do divórcio e da paixão soam interessantes, mas não são explorados apropriadamente, deixando a cargo da maioria dos problemas serem desenvolvidos pela calmaria dos personagens, como se procurassem o controle certo da situação.


A separação em OOFF envolve a privação e o desejo, integrando todos os três pontos chaves da sua linha de narração em um único personagem, e apenas aos poucos diluindo eles pela história até que desapareçam. Não estejam enganados, o erro de Sakisaka não foi colocar o divórcio, a privação e a paixão em um personagem, mas sim não ter dominado outros aspectos importantes na trama, empregando pequenas problemáticas que tornaram-se destoantes ao passar dos capítulos.


As obras de Io são uma porção de Déjà-vu romântico, misturados com as ocorrências de problemáticas adolescentes, dando um significado muito grande nas mudanças sutis de cada personagem e a seu próprio significado sentimental de empatia. Com desenhos amáveis, e contendo páginas coloridas pintadas graciosamente, você pode ter certeza que aqueles pintados juntos serão os personagens principais e que eles ficarão juntos, não importa o que aconteça e quantas voltas você dê na montanha russa dos Shoujos.

Com tramas meio clichês, Sakisaka Io nos prende com a elegância do seu traço, podendo nos apresentar páginas muito mais bonitas emotivamente do que já são, além de saber posicionar pontos chaves nas suas tramas, onde seus personagens amáveis reconstroem conversas práticas da sua adolescência na sua frente, no entanto dificilmente elaborando algo a mais quando atinge a mediania do controle da narrativa.

Se você não achou Strobe Edge bom, então claramente Sakisaka Io não é pra você. Pecando um pouco na elaboração de algumas figuras da trama, por vezes Io consegue moldar seu personagem na última hora, como é o caso de Daiki, mas não deixando de guiar-se pela história.

Muitas vezes procurando criar uma balança nos problemas apresentados, ela acaba por resolver um problema atrás do outro, ou então, como um jogo de tentativas, consegue acertar duas partes das três e permanece persistindo até abrir a porta para seus objetivos. Tudo faz parte da sua dualidade de companhia e solidão que lemos de maneira recorrente nos seus trabalhos.

E fecho o primeiro capítulo de Razzle Dazzle de como Sakisaka Io conseguiu seu nome no mercado japonês.


(as imagens foram retiradas dos três mangás citados, com a tradução e edição de Redisu, Aoharaido Fansub e Whitelies Fansub)

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